Do outro lado da migração: a história de Helena Lara

Oi, eu sou Helena Lara. Eu sou psicóloga e moro aqui no Brasil, em São Paulo capital. Quem migrou foi meu filho, que se chama Guilherme. Eu não sei dizer exatamente qual foi a motivação dele de migrar, mas eu posso dizer o que foi que acentuou a vontade dele de ir embora. Desde que o Guilherme era pequeno, por exemplo, já com uns 7 anos de idade, ele dizia que ia embora para os Estados Unidos. Eu achei estranho no começo, porque nem na nossa família e nem no nosso grupo de amigos não tinha, na época, ninguém que tivesse migrado. Ele não tinha escutado relatos de migração de ninguém para poder se sentir encantado com isso. Como um apreciador de basquete, ele gostava muito de Michael Jordan. Isso e a vontade de jogar basquete acentuaram a vontade dele de ir para os Estados Unidos.

Quando ele entrou para o ginásio, eu o coloquei em um curso de inglês e ele amava, se dedicava bastante. Conhecia muito sobre os Estados Unidos e gostava de assistir programas americanos, até cobria as legendas para poder praticar melhor o idioma. Eu brincava, dizendo que ele tinha nascido no país errado. Com toda certeza, chegou um dia em que decidiu ir e foi.

Ele foi em 2014 e nós usamos as chamadas de vídeo para conversar. De certa forma, é gostoso, pois ele me mostra os lugares onde está, e eu posso conhecer um pouco da sua vida lá. Isso alivia muito! Eu sempre falava: no ano que vem vou vê-lo. Mesmo sem ter uma organização de fato para isso, sempre falava e isso me acalmava e aliviava a minha saudade. Meu filho faz falta. Ele é muito companheiro, inteligente, e eu acho muito bom conversar com os filhos, mas eu sei que ele está feliz. Ele me conta que se sente em casa lá. É bom escutar isso e não tem como não desejar que ele também siga com essa sensação de pertencimento! 

A única coisa é que a saudade é forte, ela arrebenta com a gente. Após ele ir, em 2016, a saudade foi apertando de fato e foi muito interessante notar que, quando acordava, muitas vezes tinha a sensação que tinha havia abraçado ele, tocado nele. A minha filha Fernanda escutou este meu relato, ficou quietinha e me deu um saquinho de presente no dia das mães. Um saquinho bem leve: era uma bolsinha para passaporte com o dinheiro da passagem! Uau! Com este lindo presente dela e do meu genro, em 2017, nós três embarcamos e fizemos uma surpresa para o meu filho, com a ajuda da minha nora (que na época era namorada e hoje é a sua esposa!). Foi tão bom!

Quando ele veio para o Brasil foi tão gostoso também! Reunimos a nossa família, que é bem grandinha! Foi tão bom fazer o bolo que ele gosta, caprichar no café da manhã, ver ele no sofá, estar ali perto. É a coisa mais desejada do mundo! E ele também voltou quando a Fernanda se casou e foi muito importante para todos nós! A Fernanda falou que não se casaria se ele não estivesse aqui, porque ele é importante e próximo dela.

E ele também retribuiu a nossa surpresa, me fazendo outra junto com a Fernanda. Foi maravilhoso abrir a porta e vê-lo! 

Ele foi o primeiro filho que saiu, foi meu primeiro sentimento de ninho vazio. E todas as vezes que conversava com a minha filha, que sempre teve um ótimo relacionamento com o irmão, terminamos falando que tínhamos a certeza que ele estava feliz, realizado. Isso trazia aconchego para nós!

A imigração dele foi muito desejada e ele faz tudo para dar certo, já conquistou o seu visto de trabalho. Ele quer ficar lá e eu imagino que vai ficar.  Algumas pessoas me dizem “ele vai voltar”, talvez pensando que isso me consola, mas para mim está bem definido e claro, desde o dia que ele foi. Quando fui visitá-lo, vendo aquele país, eu mesmo falei para ele ficar lá. É um bom país para se desenvolver, inclusive no seu trabalho. Ele tem mais alcance nos aspectos que ele valoriza. 

Eu admiro essa vontade dele de imigrar. Eu nunca tive essa determinação de mudar de país, mas pelo fato dele estar lá, eu penso ou brinco de tentar passar alguns meses. Não visualizo uma mudança, pois eu acho que ficaria dividida, porque tenho minha filha no Brasil. Se um dia ela e o meu genro se mudassem, talvez eu ficaria um tempinho com um, um tempinho com o outro. Quem sabe? Ainda tem a questão do idioma, que seria um pouco complicado. Acho que teria que ser algo forte para eu sair daqui do Brasil. 

Nós conversamos há pouco tempo sobre a imigração dele e acho que, para quem imigra, o mais difícil é não estar perto nos momentos e datas importantes da família, como aniversários ou a perda de um familiar, por exemplo. São diversos os fatores que impedem a pessoa de estar rapidamente aqui. Porém, são escolhas em que se ganha em diversos aspectos e balanceia as perdas. Ele participa da forma que dá e que hoje é possível, como pelas chamadas de vídeo. 

Eu desejo que tudo seja possível para ele, que tudo dê muito certo, aliás, já está dando! Ele se sente em casa lá e é bom vê-lo assim. Desejo também que ele viva feliz com a esposa dele, que é uma pessoa muito guerreira! Que continue a ser esse homem maravilhoso que ele é! E, se pudesse pedir mais, seria alguns netinhos gringos! Já pensou?

Nós do Continuidade agradecemos imensamente à Helena Lara, por nos presentear com o olhar e a história da sua família. Que vocês possam sentir o aconchego que sentimos daqui ao escutá-la e a ao ler as suas palavras! Vielen Dank, Helena! Obrigada! Thank you!

Histórias de Migração: Silvana Fernandes

Olá, eu sou Silvana Fernandes e venho de uma cidadezinha perto de São Paulo, chamada Santa Isabel. Santa Isabel não tem tanta coisa, mas tem muitos sítios, natureza e algumas cachoeiras. Na minha família, somos dois irmãos e eu.

Eu vim pra Alemanha em 1988. Dia 08 de maio de 1988. Então, amanhã fará exatmente 33 anos que eu estou na Alemanha. Eu vim pra cá porque  que eu tinha um amiga que estava morando aqui. Eu trabalhava em um banco no Brasil e estava bem. Era sub-gerente e, quando pedi demissão, meu chefe falou: “você está louca? Você vai ficar no meu lugar!”. A ele eu respondi: “não, eu não quero. Eu quero é viajar e conhecer o mundo.” E foi isso que eu fiz. Comprei uma passagem de um ano e vim pra Alemanha.

Nesse meio tempo, conheci um amigo do marido de uma amiga que começou a me escrever e começamos um romance. Eu cheguei aqui, a gente se encontrou, se deu bem e acabamos indo morar juntos. Essa relação durou 19 anos e, dela, eu tenho dois filhos, Maurício e Juliana. Maurício já vai fazer 30 anos em junho e a Juliana vai fazer 25 agora em maio.

Depois do término do meu relacionamento eu comecei a cuidar de mim. A princípio eu me sentia como o bagaço de uma laranja. Eu era a mulher do Torsten, a mãe do Maurício e da Juliana. Daí, eu fui procurar quem que era a Silvana. Foi quando eu comecei a pensar no que que eu ia fazer.

Durante todo esse tempo, eu só trabalhava em gastronomia e decidi fazer uma reorientação profissional. Estudei Comércio Exterior aos 46 anos. Terminei o curso em 2 anos e, poucos dias depois de me formar, já estava assinando o meu primeiro contrato. O que, a princício, era só para cubrir as férias de alguém, acabou se tornando um contrato permanente e eu estou nesta firma até hoje. Comércio exterior era, na verdade, exatamente o que eu queria ter estudado no Brasil. Eu tinha passado no vestibular, mas, na época, eu trabalhava no centro de São Paulo e a faculdade na qual eu tinha passado era em Sao Bernardo e não tinha como eu sair às 6 horas do banco e estar às 7 horas na faculdade. Às vezes, na vida, os nossos sonhos demoram um pouco para se concretizarem, mas eles chegam. Hoje, eu adoro minha profissão.

Quando eu cheguei aqui na Alemanha, eu não tinha muitos amigos brasileiros e, com os alemães, é mais difícil de a gente se entrosar. Apesar disso, eu tenho a Anne, uma amiga alemã daquela época, e nós somos próximas até hoje. No começo, eu não gostava muito da Alemanha. Eu já tinha morado no Brasil entre 1993 e 1994 com meu marido, na época que eu ainda tinha apenas meu primeiro filho. No Brasil, nós abrimos um supermercado, mas a inflação no país estava muito alta e não conseguimos manter o negócio. Desmontamos tudo, vendemos e voltamos pra Alemanha.

Meu marido sempre quis morar fora, então, em 2000, fizemos nossa segunda migração. Fomos para Portugal, desta vez com dois filhos, e vivemos um ano lá. As crianças iam para a escola, mas como eu sempre falei português com meus filhos, elas não tiveram dificuldade. Apesar do português de Portugal ser diferente, eles conseguiam se comunicar.

Mas Portugal também não deu certo. Na mesma época, os meus pais estavam me chamando para voltar pro Brasil porque eles tinha uma padaria e queriam que a gente a gerenciasse, para que eles pudessem se aposentar. Nós voltamos para lá, mas, infelizmente, o meu agora ex-marido não se adaptou à situação e acabou voltando antes.

Eu ainda tentei continuar vivendo no Brasil com as crianças, mas também não deu e acabei voltando para cá em 2002. Neste ano, minha filha mais nova entrou para a escola aqui e, em um determinado momento, me deu um clique e eu pensei: “agora eu vou ser feliz na Alemanha!”.

Parece que funcionou, porque, a partir daquele ponto, eu passei a adorar este país. Eu, por exemplo, sempre quis estudar alemão. Nessa época, já falava a língua, sempre fui me aperfeiçoando e olha… minha decisão de ser feliz aqui deu certo. Eu adoro a Alemanha e gosto muito de morar aqui.

Eu nao lembro de ter tido experiências ruins. Só no começo, quando eu ainda falava inglês. As pessoas me tratavam muito bem nas lojas porque, acredito, achavam que eu era turista, mas quando eu comecei a falar alemão e elas percebiam que eu estava ali para ficar, já me tratavam um pouco diferente. No entanto, sempre tive uma personalidade forte e, mesmo quando as pessoas reagiam mal e gritavam, por exemplo, quando eu trabalhava na gastonomia, eu sempre revidava: “eu não sei falar alemão, mas eu não sou burra!”

Uma das coisas que mais me enchem de orgulho, realmente, é o fato de eu ter me separado, estar aqui na Alemanha e ter lutado, mesmo aos 46 anos, para me reorientar profissionalmente, ter conseguido fazer o que eu gosto.

Quando ainda era casada, meu marido cuidava de todos os papéis e eu, apesar de saber alemão, tinha a escrita bem ruinzinha. Porém, falei pra mim mesma que eu ia me virar e fiz tudo que eu precisava fazer, mesmo com medo. Eu, as vezes, pensava: “ai meu Deus, como é que eu vou estudar economia em alemão?” Mas eu fui lá, fiz e deu tudo certo.

Daqui a dez anos eu gostaria de estar aposentada e, se eu estiver em um relacionamento, de poder continuar morando aqui na Alemanha, mas passar uns três ou quatro meses no Brasil. Eu não tenho certeza se vai ser possível porque a novidade é que agora, também no mês de maio, eu vou ser avó de uma menina. Isso significa que a minha família já vai entrar na segunda geração de migrantes. A namorada de meu filho também nasceu aqui, mas é descendente de chilenos. Vai ser uma bela mistura!

A minha filha tem muito desejo de morar no Brasil. Ela adora e acha que lá é o país dela, muito mais do que aqui. Sempre digo pra ela terminar a sua faculdade, fazer o que ela tiver de fazer e ir pro Brasil tentar sim. Porque não? Eu dou a maior força.

Se eu pudesse voltar o tempo e dar um conselho para mim mesma, diria: “aprenda a língua o mais rápido possível”. Na minha opinião, você só se integra no país onde está morando se souber falar a língua. E mais: “não se rebaixe. Você não é menos do que ninguém, você só não sabe falar o idioma… ainda”.

Eu sou Silvana Fernandes e essa é a minha história de migração. Qual é a sua?

Pausa para cuidar da família

Um dos maiores fantasmas da vida da pessoa que migra é como lidar com situações de urgência com a família no país de origem. O pensamento de que algo pode vir a acontecer a nossos pais e familiares quando estamos longe, sem que tenhamos a possibilidade de rapidamente estar perto deles, acompanha a vida de muitas pessoas migrantes como uma espécie de sombra constante em todos os momentos da vida fora de nosso país de origem. Todas nós, pessoas migrantes, aceitamos a possibilidade de não podermos estar presentes em momentos decisivos das vidas de nossos familiares e amigos. Temos ciência de que não participaremos de todos os aniversários, nascimentos, formaturas e que talvez, ao chegarmos, seja tarde demais para um último adeus.

Por isso, para a pessoa que migra, ter a possibilidade de voltar para o país de origem quando se tem vontade, saudade ou quando alguma emergência exige, é uma grande oportunidade que a maioria de nós agarra mesmo, sem titubear. Recentemente, o Continuidade se viu diante de uma dessas situações. O que fazer quando uma pessoa da família está gravemente doente e precisa de nós? Essas situações geralmente nos pegam de surpresa e, na migração, a surpresa vem acompanhada da pressão do tempo.

Durante uma pandemia, então, é a pressão do tempo mais as incertezas relacionadas a todo o resto. De repente, tudo fica urgente e a pessoa migrante trava uma corrida contra o tempo para organizar a burocracia e encarar uma viagem de volta ao país de origem, dessa vez deixando para trás as pessoas no país de acolhida para se reorganizarem com a lacuna súbita que foi deixada. Grande parte da vida de migrante consiste em administrar as ausências e faltas.

Pedimos compreensão com esse nosso momento de lidar com a lacuna repentina deixada por Cris, que teve de encarar essa turbulenta e incerta viagem de volta ao Brasil para estar perto de sua mãe que está internada com COVID. Nós, que desta vez somos a família que ficou, estamos aqui nos reorganizando para poder, em breve, voltar a produzir conteúdo para vocês.

*Por Cris Oliveira

Imagem de destaque: Free Foto by Pixabay

Continuidade Indica: filme Casamento Grego

Casamento Grego é um filme independente de comédia lançado em 2002, que trata de uma relação romântica intercultural entre a grega Toula (Nia Vardalos, que também escreveu o longa) e o “não-grego branco anglo-saxão protestante” Ian (John Corbett). O pai de Toula sonha em vê-la casada com um homem também grego. Já imagina que deu ruim, né?

Eu não vou falar muitos detalhes do filme, porque a intenção aqui não é fazer uma crítica nem, muito menos, dar spoiler, mas queria aproveitar o gancho da indicação para refletir um pouquinho sobre as tais relações interculturais que até já foram tema de episódio no nosso podcast (ainda não ouviu? Clica aqui!). No filme, o tema é tratado com muito bom humor, mas na vida real nem sempre é assim.

Ian (John Corbett) e Toula (Nia Vardalos) no filme O Casamento Grego

Os relacionamentos interculturais podem trazer grandes desafios não somente para as partes diretamente envolvidas (o casal), mas também para as suas famílias. Ainda usando como exemplo a história de Toula, a sua família relutou muito em aceitar que ela se casasse com um homem de uma cultura diferente da sua, como se essa atitude significasse um rompimento com a sua gente a sua origem.

Por outro lado, há também as dificuldades entre o par em questão, por terem que lidar no dia a dia com uma pessoa de costumes muito diferentes dos seus. Em Casamento Grego, Ian se viu diante de um grande obstáculo: convencer a família de Toula de que ele era digno de casar-se com ela – mesmo não tendo a mesma nacionalidade – e o de se adaptar aos costumes e aos valores dessa nova cultura.

É preciso muito respeito e cuidado para encontrar o equilíbrio e a harmonia numa relação intercultural. Um bom exercício é entender que o outro é apenas diferente de vocês, o que não significa que essa pessoa está errada. Muitas vezes, as diferenças até ajudam a alimentar o amor e a trazer dinâmica para as relações. Porém, se está muito difícil e você se sente mais triste do que feliz, acenda o sinal vermelho de alerta repense se vale a pena seguir ou não nesse relacionamento. Se precisar de ajuda, já sabe: conta com a gente!

Por fim, Casamento Grego é uma comédia romântica muito leve e divertida, ótima pedida para uma tarde de domingo. O sucesso foi grande tão grande que a história ganhou uma continuação, lançada em 2016: Casamento Grego 2.

Assista e conte pra gente o que achou!

*Por Lali Souza

Fontes:
http://www.adorocinema.com/filmes/filme-45569/
https://pt.wikipedia.org/wiki/My_Big_Fat_Greek_Wedding