Oferecer uma educação bilíngue às suas crianças é o sonho de muitas famílias. De fato, falar mais de uma língua pode abrir muitas portas na vida de uma pessoa. Há vagas de empregos, cursos universitários, eventos culturais, viagens e muitas outras oportunidades que só são possíveis para pessoas que falam mais de um idioma. Por esse motivo, muitos pais e mães se ocupam bastante com diversas formas de garantir que seus filhos e filhas aprendam a falar outros idiomas o quanto antes.
Para famílias migrantes, isso é, na maioria das vezes, uma condição natural. Crianças nascem e frequentam a escola em um país no qual a língua local é diferente da que é falada pelos seus pais e, com isso, vão crescendo com dois ou mais idiomas. No entanto, para muitas dessas famílias o caminho do bilinguismo não é assim tão fácil. Existem questões muito delicadas que envolvem o multilinguismo, sobre as quais refletimos bem pouco ou quase nada.
- A educação bilíngue exige muita paciência e comprometimento por parte dos pais.
Quase sempre, por trás de crianças bilíngues super habilidosas, estão pais e mães extremamente determinados e pacientes. São pais e mães que conseguem esperar a ânsia de responder logo que uma pergunta é feita no idioma local, ao invés do seu, para que as crianças tenham a oportunidade de repetir a pergunta, por exemplo. Ou que tem a tranquilidade de, muitas vezes, falar a mesma coisa duas vezes, cada vez em um idioma diferente, para garantir que a criança receba estímulos linguísticos em diversos idiomas. Esses processos exigem calma e dedicação, o que para muitos é difícil ter no dia a dia. Por isso, é importante avaliar se esse tipo de educação se encaixa com a realidade de sua família. Você é paciente? O seu dia a dia permite esse tipo de comprometimento? Se não for o caso, vale a pena reavaliar até que ponto esse tipo de educação faz sentido. Sem persistência e consistência, será mais difícil da criança se acostumar com o uso da língua de herança.
- A educação bilíngue não deve excluir a leveza e a naturalidade da convivência
A educação bilíngue não deveria ser almejada a qualquer custo, virando fonte geradora de estresse e comprometendo a qualidade das interações familiares. Crianças bilíngues, muitas vezes, se recusam a falar a língua de herança. Isso pode acontecer porque a língua local ocupa naturalmente uma parcela muito grande e importante no cérebro da criança. Além disso, a criança não pensa nas línguas que fala em termos de utilidade e nem de apego sentimental. Para elas, a importância da língua está diretamente associada à utilidade que o idioma tem para intermediar a atividade mais importante de suas vidas: brincar. Ou seja, quanto mais oportunidades de se divertir e cultivar relacionamentos a criança tiver em um determinado idioma, mais envolvimento ela terá com ele. Isso irá consequentemente aumentar a sua disposição para tentar se comunicar através dele. Ao invés de tentar impor que a criança fale a nossa língua, cabe a nós, adultos, pensarmos em alternativas que levem as crianças a quererem falar aquele idioma. Isso pode ser feito através do lúdico e das conexões pessoais.
Se ainda assim a criança resistir ao uso da língua de herança, pode ser que seja interessante dar um tempo e reavaliar nossas próprias expectativas com relação ao bilinguismo. Muitas vezes, esse desejo de querer falar a língua dos pais vem aos poucos e é preciso aprender a respeitar o tempo da criança nesse aspecto também. Não podemos deixar de lembrar que existe uma série de valores importantes que precisam ser vividos e passados para elas. Educação linguística é apenas uma parte da educação de forma mais ampla e, na migração, precisamos cuidar para que a tentativa de multilinguismo a qualquer custo não acabe gerando ressentimentos com relação à língua dos pais.
- Fale o idioma que seja mais natural para você
No passado, era muito comum ouvir professores e professoras dizendo que uma criança precisaria, primeiro, aprender o idioma local para depois começar a aprender outros. Levados por essa falácia, muitos pais e mães migrantes faziam um verdadeiro esforço para falar com seus filhos e filhas na língua local para que eles aprendessem o idioma dominante o quanto antes. Hoje em dia, já sabemos que é desnecessário nos preocuparmos com isso. Desde muito pequenas, as crianças são capazes de aprender duas ou mais línguas simultaneamente, sendo necessário para isso apenas serem expostas e terem interações significativas nesses idiomas. Ou seja, fale com seu filho ou sua filha no idioma que você se sente à vontade e tenha segurança. A exposição a modelos linguísticos de qualidade é muito importante na fase de desenvolvimento da linguagem. O idioma local poderá ser aprendido facilmente depois que a criança entrar em contato com outras crianças na creche ou escola.
Em resumo, crescer com duas ou mais línguas é um enorme privilégio que deve ser conquistado com leveza, paciência e afetuosidade. Através das línguas que falamos aprendemos a decodificar o mundo à nossa volta e isso pode ser conquistado de forma tranquila e respeitando o tempo e os limites da criança e da família. O bilinguismo, assim como qualquer outra coisa na educação infantil, deve ser um meio de estabelecer laços afetuosos na família e de apoiar no desenvolvimento da criança. Isso tudo deve ser encarado com leveza e naturalidade e não ser implementado de forma rígida, que venha a comprometer a estabilidade e os vínculos familiares. Educação bilíngue, sim! Mas sem culpa, sem pressão e sem estresse.
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Por Cris Oliveira
Foto de destaque: B Marra @ Flickr