Histórias de Migração: Paula Clemente

Desde pequena, algo sempre me dizia que Salvador, onde nasci, não seria onde eu iria morar para sempre.

Talvez isso fosse relacionado, ainda que de uma forma subconsciente, ao fato de correrem nas minhas veias o sangue espanhol. A ditadura de Franco fez com que meu pai saísse de sua cidade natal, Alicante, na Espanha, e fosse se aventurar em terras brasileiras nos anos 70. Ele gostou do clima tropical da Bahia e por ali decidiu ficar. Lá, conheceu minha mãe, que é baiana, e eu nasci dessa união.

A minha vontade de desbravar o mundo também pode se dever ao meu fascínio pela língua inglesa, idioma que sempre tive muita facilidade e gosto por aprender. Comecei a estudar english com 10 anos de idade e era a “nerd” da sala, não nego!

Na verdade, acho que uma soma de diversos fatores contribuiu com essa vontade latente e constante de ir “pra fora”. Por exemplo, gostar Geografia e História; amar aprender sobre diferentes culturas; querer trabalhar na ONU – algo que, diga-se de passagem, não se concretizou (mas quem sabe um dia, né?).  Enfim, só sei que o fato de não me sentir “encaixada” na minha cidade natal alimentava esse desejo profundo de conhecer outras terras.

Quando novinha, costumava passar férias na Espanha, onde tenho família por parte de meu pai, e mais tarde, embarquei para um intercâmbio de 6 meses no Canadá. Foi aí que a minha vida deu um giro de 180º.

Eu escolhi a cidade de Toronto justamente por seu caráter anglo-saxão, mas também por seu grande número de imigrantes. Eu sentia que poderia vivenciar uma experiência realmente internacional, em todos os sentidos, e acabaria conhecendo muitas pessoas interessantes por lá. Isso de fato aconteceu, pois foi onde conheci o meu marido!

Marido este que, por sinal, não era canadense, mas sim inglês! Quando nos conhecemos, lembro que tinha dificuldade de entender seu sotaque, que é naturalmente e “britanicamente” mais fechado, e cheguei a questionar se meu nível de inglês, mesmo após tantos anos de dedicação e estudos, era tão bom quanto eu imaginava! Com o tempo, o incidente do sotaque (ou “accent gate”) foi se resolvendo e eu fui me acostumando também com o senso de humor dele, bem diferente do nosso.

Meu intercâmbio acabou e eu tive que retornar ao Brasil. Precisava concluir a faculdade e continuar o meu estagio em Salvador. Mas o sonho de imigrar persistiu e isto, somado ao fato de que agora me encontrava oficialmente em um relacionamento a distancia, fez com que eu decidisse fazer faculdade fora. Por diversas razões, decidi finalizar meus estudos na Espanha, terra de meu pai e que, desde pequenina, me chamava.

Em Alicante, tornei-me “Licenciada en Publicidad & Relaciones Publicas”. Logo após me formar, engatei um Masters of Science na University of Bristol, na Inglaterra, podendo, finalmente, residir no mesmo país que o meu então namorado (atual marido).

Hoje, sigo morando na Inglaterra, mas no condado de Berkshire. Continuo casada com aquele inglês irreverente que conheci no Canadá e sou mãe de um menino de 4 anos.

Eu sou Paula Clemente e essa é a minha história de migração. Qual é a sua?

Canções de Migração: Debaixo dos Caracóis dos Seus Cabelos

A música nos inspira e nos faz viajar pelo tempo. Músicas especiais despertam emoções e são capazes de nos fazer reviver lugares e momentos guardados na memória. No “Canções de Migração” de hoje, vamos falar de uma belíssima composição de Roberto Carlos e Erasmo Carlos que traz muita história junto com ela: Debaixo dos Caracóis dos Seus Cabelos.

Essa canção foi composta em 1971, quando o Brasil enfrentava a Ditadura Militar. A música é uma homenagem ao cantor e compositor Caetano Veloso, que foi exilado do país e emigrou para Londres, na Inglaterra.

Caetano e Roberto Carlos. Imagem: Divulgação.

Na canção, Roberto e Erasmo fazem uma projeção do que seria o retorno de Caetano à sua terra natal e, com emoção, descrevem o momento em que o artista pisaria novamente nas areias das praias brasileiras.

“Um dia a areia branca

Seus pés irão tocar

E vai molhar seus cabelos

A água azul do mar”

A música toca, principalmente, por se tratar de uma migração involuntária, já que Caetano deixou o Brasil como exilado, vítima de uma perseguição política que colocava sua vida em risco. A música não apenas fala da alegria de Caetano ao chegar, mas também da felicidade com que a sua terra o receberia, retratando uma saudade recíproca, como se o Brasil também sentisse a sua falta.

“Janelas e portas vão se abrir

Pra ver você chegar

E ao se sentir em casa

Sorrindo vai chorar”

Caetano é retratado na canção através de uma característica marcante de sua juventude: os cabelos cacheados. Apesar de reconhecer que a migração traz aprendizados e muitas histórias também felizes, a música trata claramente de um processo de luto migratório, fruto da migração involuntária, e da vontade constante de voltar para casa.

“Você olha tudo e nada

Lhe faz ficar contente

Você só deseja agora

Voltar pra sua gente

Debaixo dos caracóis dos seus cabelos

Uma história pra contar

De um mundo tão distante

Debaixo dos caracóis dos seus cabelos

Um soluço e a vontade

De ficar mais um instante”

Anos mais tarde, em 1992, o próprio Caetano Veloso gravou a música “Debaixo dos Caracóis dos Seus Cabelos” no disco do show Circuladô Vivo. É emocionante ouvi-la na voz de Caetano. Sugiro pegar um lencinho antes de apertar o play!

*Por Lali Souza

Fontes:
Centro América FM
Wikipedia
Nova Brasil FM
Discos do Brasil

As Fases da Migração

No Continuidade Podcast falamos muito sobre como o processo de migração é composto por algumas fases comuns à maioria das pessoas. Decidimos revisitar e registrar aqui também as nossas reflexões sobre quais são essas fases e como elas influenciam na adaptação dos imigrantes no país de acolhida.

A primeira fase está ligada aos emaranhados psicológicos que vivemos ao chegar no novo país e tudo o que envolve o início dessa adaptação. Nesta fase, revisitamos o nosso sentimento de identidade, lidamos com as perdas e com o luto que elas trazem.

Somos fruto de nossa história de vida e cada um de nós tem a sua bagagem cultural. Ao mudar de país, muitas vezes nos deparamos com uma cultura totalmente diferente da nossa, o que pode levar algum tempo até nos acostumarmos. É neste processo que enfrentamos dificuldades relacionadas ao nosso sentimento de identidade, afinal é preciso compreender os hábitos locais e estabelecer uma relação com eles.

Adaptar-se não significa negar suas origens, mas aprender a conviver com a cultura local. Quando nos sentimos bem onde vivemos, estabelecemos relações mais saudáveis não somente com o lugar em si, mas também com as pessoas que nos cercam.

A migração é uma despedida e as perdas são inerentes a ela. Perdemos, por exemplo, o convívio com os amigos e a família que ficaram no país de origem, os lugares onde costumávamos ir, as comidas, as festividades e, com o tempo, até mesmo as nossas referências e alguns vínculos.

É preciso estar alerta para as consequências que essas perdas podem causar à nossa psique, como a tendência de responsabilizar os outros, a culpa e a negação da dor. É importante reconhecer que a dor existe para entender como lidar com ela. Estabelecer novos vínculos afetivos com pessoas e com o lugar de acolhida pode ajudar muito no enfrentamento dessas dores. Aprender o idioma local também auxilia na construção da sensação de pertencimento.

Ao enfrentar essas perdas, entramos na fase de processamento dos lutos migratórios. Nesta fase, é comum que haja uma desorganização da nossa psique, que se reflete numa necessidade urgente de reaver o que deixamos para trás. Podemos incorrer numa romantização do nosso passado, do lugar de origem, e, até mesmo, passar a negar o país de acolhida.

Mas como saber se estamos passando por uma fase de luto? O desligamento emocional das pessoas à sua volta, passar a enxergar apenas o lado ruim da nova vida, estabelecer grandes barreiras entre si e o novo são sinais claros dessa fase. Se você se encontra nesse momento, não tenha medo de vivê-lo. Passar pelo luto faz parte do processo de recuperar o sentimento de continuidade da própria vida.[INSERIR IMAGEM INTEGRATION]

Aproveite esse período mais reflexivo para encontrar estratégias de como se sentir melhor. Buscar abrigo emocional com pessoas que passaram (ou estão passando) pelo mesmo processo que você costuma ser uma ótima ideia.

Processar o luto é fundamental para atingir a multiculturalidade. Aqui, usamos este termo para tratar da fase em que já estamos bem no nosso novo lar. É quando, finalmente, nos sentimos em casa e conseguimos estabelecer uma relação equilibrada entre o passado e o presente.

Uma coisa muito importante é saber que essas fases não seguem uma linha reta. O processo migratório é muito complexo e podemos, ao longo da vida, entrar e sair dessas fases várias vezes. Entender as diferentes fases da migração e saber reconhecer o lugar onde estamos nos ajuda a olhar com clareza a realidade à nossa volta e a traçar as estratégias necessárias para seguir adiante, em busca de uma vida mais feliz.

E nem precisamos dizer que você pode contar com a gente nessa sua jornada, né? Se você tem alguma dúvida ou apenas gostaria de compartilhar o seu momento, a sua história, manda uma mensagem para a gente e faremos o possível para te ajudar. Estamos juntos!

*Por Lali Souza

Imagens: Gerd Altmann por Pixabay.

Mulheres Migrantes: Natalie Portman

Você, provavelmente já ouviu falar de Natalie Portman, atriz renomada, vencedora de um Oscar, um BAFTA, dois Prêmios Globo de Ouro e um Screen Actors Guild. Hoje, vamos contar um pouco sobre a sua história de vida, de luta e, é claro, de migração.

Natalie tem dupla nacionalidade. Ela nasceu na cidade de Jerusalém, em Israel, e é a filha única de seus pais: um israelita e uma estadunidense. A sua família foi viver nos Estados Unidos quando Natalie era ainda pequena, com apenas 3 anos. Além dos dois primeiros idiomas, o hebraico e o inglês, a atriz também fala fluentemente francês, espanhol, alemão e, pasmem: japonês.

A carreira como atriz começou aos 12, com o filme León. De lá para cá, ela apresenta um currículo vasto, fazendo parte do elenco de grandes produções audiovisuais, como Stars Wars (Episódios I, II e III), V de Vingança, Cisne Negro e muito mais. Como se tudo isso já não fosse o bastante, Natalie ainda é formada Psicologia pela Universidade de Harvard e também estudou antropologia da violência na Universidade Hebraica em Jerusalém.

Tá achando pouco? Tem mais!

Em 2018, Natalie Portman foi uma das celebridades que se posicionaram firmemente contra a separação de crianças migrantes de seus pais refugiados nos Estados Unidos. A atriz é bastante ativa na luta pelos direitos de crianças refugiadas permanecerem junto às suas famílias e apoia o movimento “Families Belong Together”.

Mas é na causa feminista que Natalie mais se destaca. A atriz, ativista contra a violência de gênero e pelos direitos das mulheres, é uma das fundadoras do movimento Times’s Up, que busca combater a desigualdade e apoiar o trabalho justo, seguro e digno para mulheres.

Imagem: Instagram de Natalie Portman

Há poucos dias, Natalie ganhou novamente os holofotes da imprensa mundial. Desta vez, em parceria com outras celebridades do cinema, como Eva Longoria, America Ferrera, Jennifer Garner e Jessica Chastain, Portman tornou-se uma das principais proprietárias do time de futebol feminino Angel City (nome provisório), que jogará pela cidade de Los Angeles (Califórnia, Estados Unidos). Em entrevista ao jornal Los Angeles Times, a atriz diz que “acredita que é muito importante ter modelos a seguir e heróis que sejam mulheres, tanto para meninos como para meninas”.

Se a gente já admirava Natalie Portman por suas incríveis atuações no cinema, agora somos ainda mais fãs pelo trabalho que ela realiza na vida real.

*Por Lali Souza

Fontes:

Adoro Cinema

Wikipedia

Guia do Estudante

UnoTV

Families Belong Together

We.org

El País

Do Chimarrão ao Tucupi

O Brasil é enorme e plural. De norte a sul, segundo o Censo 2020 do IBGE, o nosso país possui mais de 211 milhões de habitantes vivendo em 5.570 municípios. Pouca coisa, né? Diante dessa enorme quantidade de pessoas e considerando a nossa história, marcada pela influência de diversos povos do mundo, como definir uma única cultura brasileira?

O idioma nos une, não podemos negar. Somos um país continental onde há somente uma língua oficial, o português. Mas os regionalismos são tão presentes na linguagem que é quase como se falássemos vários “portugueses” diferentes. Os diversos sotaques trazem uma riqueza cultural imensurável para o idioma que herdamos dos nossos antepassados europeus.

Quando vivemos no Brasil, nossa identidade cultural está muito ligada à região onde nascemos e/ou crescemos. Além do sotaque, o nosso vocabulário, os costumes, as crenças e até as comidas do dia a dia podem ser completamente diferentes se você, por exemplo, é de Manaus ou de Florianópolis.

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Tangerina, Mexirica, Bergamota? Como é o nome desta fruta na sua cidade?

Quando saímos do Brasil, isso muda um pouco de figura. A gente se depara com a visão do povo local, que não sabe da nossa missa a metade, e nos coloca a todos num único potinho: brasileiros. E não é só isso, a gente também acaba se identificando através da nação de onde viemos e nos unimos a nossos compatriotas vindos de tudo quanto é canto do Brasil.

Os perfis regionais já não fazem mais sentido e passamos a ser todos enquadrados dentro do mesmo estereótipo. Falando nisso, temos um episódio que fala um pouco sobre esse tema, dentro do triste contexto da xenofobia. Vale a pena escutar! É o episódio 18 da primeira temporada, clica aqui pra ouvir.

E você? Como vocês se sente vivendo no exterior? Como você lida com essas questões ligadas à sua identidade cultural? Conta para a gente aqui nos comentários!

*Por Lali Souza

Fonte:

Censo 2020 IBGE: https://censo2020.ibge.gov.br/sobre/numeros-do-censo.html

Morar Fora: Expectativa x Realidade

Migrar exige muita cautela, preparação e vai além dos aspectos apenas burocráticos. Cuidar de nossos documentos e das questões legais para viabilizar essa empreitada é apenas uma parte de algo bem maior. É muito importante, também, cuidar de nosso emocional. Muito desse cuidado vem de aprender a equilibrar a nossa expectativa e a realidade que estamos prestes a encontrar.

No segundo episódio do nosso podcast (Esperanças e Expectativas no Processo Migratório) falamos de como, na primeira fase da migração, as expectativas altas podem levar a grandes decepções. Quanto mais idealizamos a vida no novo país, mais difícil fica aceitar a realidade quando, finalmente, conseguimos percebê-la. O autocuidado, sob a forma de reflexão constante e atenção com nós mesmas(os), pode nos ajudar a mantermos a conexão com a realidade.

De forma semelhante, devemos atentar para certas comparações que fazemos. No processo de migração, a busca por informação é fundamental, mas nos compararmos com outras pessoas pode também atrapalhar. Sabe aquela sua conhecida que aprendeu a falar o idioma local rapidinho e já arrumou um emprego? Aquele seu conterrâneo que conseguiu tirar a cidadania em tempo recorde? Ficar se atormentando e procurando as razões pelas quais você ainda não conseguiu chegar ao mesmo patamar não vai ajudar em nada o seu processo.

Na migração, as pessoas podem até passar por processos psíquicos semelhantes (o estranhamento, as decepções, a euforia, a saudade, entre tantos outros), mas não podemos esquecer que, ainda assim, temos histórias de vida próprias e nossas trajetórias na imigração também são influenciadas por nossas individualidades.

Uma sugestão: se você está pensando em emigrar, ou já está morando fora, evite comparar sua trajetória com a de outras pessoas e qualificar suas conquistas de acordo com os marcos da vida dos outros.  Ao invés disso, procure se informar bastante, focando sua atenção nos aspectos práticos que, de fato, são relevantes para você (por exemplo, saber como deve ser um currículo de profissional da sua área, onde há cursos de idiomas, etc).  

Paralelo a isso, crie o hábito de refletir e de entrar em contato com você mesma(o). Você tem respeitado a sua maneira de resolver as coisas? Como você está se sentindo em meio a tudo isso? Você consegue pedir ajuda se precisar?

Deixar tudo para trás e se aventurar em outro país nos leva para dentro de um emaranhado burocrático e emocional. Olhar para dentro de si, nesse processo, ajuda a trilhar um caminho do seu jeito, sem pressão, evitando que você se perca. Sob essa perspectiva mais amorosa, a migração também pode te proporcionar uma gratificante viagem de autoconhecimento.

Clica aqui pra ouvir o episódio “Esperanças e Expectativas no Processo Migratório”.

*Por Cris Oliveira

Histórias de Migração: Karina Nery

Oi, eu sou Karina e acho que a minha vontade de morar fora sempre existiu ou, pelo menos, desde quando fui intercambista na Califórnia, aos 15 anos, e ouvi minha avó me falar, depois da minha high school graduation, para casar com meu namorado/vizinho e ficar por lá mesmo! Mas um terremoto nos levou de volta ao Brasil mais cedo.

Anos depois, comecei a ensinar inglês como hobby, mas terminei me apaixonando por ser teacher! Quando se ensina línguas, acredito que o mundo se abre mais ainda. Você passa a ter contato com a cultura de outros países, sem falar nas novas amizades com pessoas viajadas. Junte a isso o fato de eu gostar muito de filmes, séries e músicas em inglês. Minha cabeça estava sempre em outros mundos.

Quando contei aos meus pais, a minha irmã e até ao meu chefe que estávamos no processo de morar fora, eles foram unânimes em dizer coisas do tipo “sempre achei que fosse você quem ia morar em outro país e não sua irmã” (que já mora há mais de 10 anos na Alemanha), “já não era sem tempo”, “é sua cara mesmo”.

Claro que todos sentiram um misto de felicidade e tristeza, mas isso fica para uma outra história. Essa aqui se mistura com outra, e conta que meu marido, companheiro de mais de 20 anos, não teve a chance de fazer intercâmbio aos 15, como eu, e foi ter sua experiência depois de casado na Nova Zelândia. Na verdade, essa foi nossa primeira tentativa de migrar.

A ideia era ele ir na frente, fazer um curso para aprimorar seu inglês, conseguir um emprego na área de TI (que é área de demanda em muitos países), trocar o visto de estudante por um de trabalho e dar o OK para eu ir atrás, levando meu mais velho, que na época tinha uns 11 anos. Simples assim e perfeito, não?

Só que não deu certo. Eu acredito que fomos ingênuos demais ao basear nossos planos apenas na experiência de alguém, acompanhando sua história através de um blog. Também porque acredito ter sido um desejo mais dele do que meu. Eu estava em outro momento de vida, assumindo um cargo importante, além de ficar preocupada com a adaptação do meu mais velho e de afastá-lo do seu pai. Todas essas coisas se embrulhavam dentro de mim. Resultado? Plano B: um mês viajando pela Nova Zelândia em lua-de-mel e retorno para o Brasil. Já de volta, mudamos totalmente nossos planos e passamos a falar em fazer uma cerimônia de casamento e um filho. Não necessariamente nessa ordem.

Depois de cumpridos os planos do retorno e nosso filho já com 4 anos, voltamos a falar sobre migração. Talvez inspirados em mais um casal de amigos que estava se preparando para deixar o país. Talvez pela situação de insegurança em que vivíamos. Talvez porque estávamos mais maduros. Só sei que, dessa vez, algo muito forte clicou em mim e quem saiu pesquisando, planilhando e se esforçando para juntar até o último centavo fui eu!

Não escolhemos a Alemanha, ela nos escolheu. Como disse, a minha irmã já morava há mais de 10 anos aqui. Quando meu cunhado soube do nosso plano de morar fora e que podia ser no outro lado do mundo, na Nova Zelândia, ou no lugar mais frio do mundo, no Canadá, me disse: “então venham logo pra cá! Pense bem, o outro lado do mundo significa que sua mãe vai ter de escolher entre visitar você ou a sua irmã. Você não vai querer fazer isso com ela, não é?”

Na verdade, percebi que eles ficaram muito felizes com a ideia de ter mais alguém da família por perto e ofereceram a casa deles até a gente se estabelecer, além de todo o suporte necessário. Assim é bem mais tranquilo, não é mesmo?

Eu nem consegui dormir mais direito porque a conversa fluiu de uma forma tão rápida e as coisas foram, ligeiramente, se encaixando. Tanto que, no outro dia, meu cunhado voltou para casa trazendo informações oficiais do site do governo. Nesse mesmo momento, começamos a discutir salários e custos de vida e, então, ele me levou pra conhecer o apartamento do seu irmão para eu ter uma ideia de outras possibilidades de moradia, também pra conversar e ouvir outras opiniões.

Na volta, volta liguei logo para o meu marido:

– Esquece o frio do Canadá e a distância da Nova Zelândia, eu já estou vendo apartamento pra gente morar aqui na Alemanha!

– Calma, vem pra cá que a gente conversa.

– Ah… Não tem nem o que pensar!

– Claro que tem! Tenho que pensar em um fato muito simples: a língua alemã é considerada por muitos uma das mais difíceis do mundo!

Mas, segundo meu cunhado, esse nosso desafio é comparável a passar -50°C de frio no Canadá ou a morar lá onde o vento faz a curva. Eu voltei pro Brasil (mas acho que, por mim, já ficava esperando meu marido e a mudança) e a gente conversou bastante, fizemos várias listinhas de prós e contras e começamos a gincana dos documentos, do desapego, das despedidas.

Eu sou Karina Nery e esta é a minha história de migração. Qual é a sua?

25 de junho: Dia do Imigrante no Brasil

Que a migração é parte fundamental da história dos povos pelo mundo, não é novidade alguma. E, por sermos essa mistura de gentes e culturas, é tão importante reconhecer o papel dos imigrantes na construção das nações, além de compreender o que os levou até ali.

No dia 25 de junho, é celebrado o Dia do Imigrante no Brasil. Agora que você já sabe o que é um imigrante, resolvemos deixar aqui a nossa homenagem e, também, compartilhar um pouco de conhecimento do por que essa data existe e o que ela significa.

O decreto que determina o dia 25 de junho como o Dia do Imigrante foi emitido pela Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo e publicado no ano de 1957. A data foi escolhida para coincidir com o fim das celebrações da semana da Imigração Japonesa (iniciada no dia 18 de junho). O objetivo da data comemorativa é prestar uma homenagem àquelas pessoas que deixaram para trás o seu lugar de origem, suas famílias e amigos, em busca de uma nova vida em outro país.

O Brasil, ao longo de sua história, acolheu imigrantes de diversos lugares do mundo, seja através de migração voluntária ou não, como foi o caso dos imigrantes africanos que foram levados à força para trabalhar como escravos em terras brasileiras. De uma forma ou de outras, essas pessoas ajudaram a construir o que somos e são parte da nossa vida, da nossa cultura.

Sabemos que o ato de imigrar requer muita coragem e que, nem sempre (ou quase nunca), este é um processo fácil. Por isso, desejamos que o Dia do Imigrante seja uma oportunidade de refletirmos sobre a nossa história, sobre o que nos trouxe até aqui, através de uma homenagem não somente àqueles que chegaram ao Brasil, mas também a nós, brasileiros e brasileiras, que acolhemos essas pessoas em nosso lar.

Fontes:

Arquivo Nacional – Ministério da Jutiça

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*Por Lali Souza

Migrante, Imigrante, Emigrante e Refugiado: qual é a diferença?

No mês de julho, duas datas comemorativas nos ajudam a refletir sobre questões relacionadas às migrações. Dia 20 foi o Dia Mundial do Refugiado e no 25 será comemorado o Dia do Imigrante no Brasil. Mas de quem estamos falando quando celebramos essas datas? Migrantes, imigrantes, refugiados… Tem diferença? É tudo a mesma coisa? No texto de hoje, responderemos a essas perguntas.

Vamos começar falando de migração, que é uma espécie de termo guarda-chuva para toda essa temática. Migrar é o ato de se deslocar de um país, estado, cidade ou região para outra. A pessoa que toma a decisão de fazer isso é, então, chamada de migrante. A partir disso, a gente pode entrar em outro detalhe: uma pessoa que migra para um outro país é imigrante ou emigrante.

A diferença entre esses dois termos é uma questão de perspectiva. Por exemplo, nós, do Continuidade, saímos do Brasil para morar na Alemanha e na Espanha. Somos, portanto, imigrantes nesses países. Nossas famílias, no Brasil, podem dizer que nós emigramos para a Europa.

Nós decidimos tentar uma vida diferente em outro país. Para muitas pessoas, emigrar não é uma questão de escolha e sim de sobrevivência. Quando uma pessoa deixa o seu país por causa de perseguições, sejam elas de ordem política, étnica, religiosa, em busca de segurança e proteção em outro país, ela passa a ser chamada de refugiada. O termo refugiado é importante porque evidencia a razão pela qual a pessoa (ou um grupo de pessoas) deixou o seu país de origem. A migração, nesta situação, apesar de muitas vezes ser planejada, no geral, é classificada como uma migração involuntária.

O Dia Mundial do Refugiado foi criado no ano 2000 pela Assembleia Geral das Nações Unidas, com a intenção de chamar a atenção para a situação das pessoas refugiadas pelo mundo.

Aproveite esta data e acesse o site da ACNUR para saber mais sobre esse assunto. Clica aqui para visitar o site!

Muito além de A a Z

Quando resolvi encarar o desafio de ensinar alemão como segunda língua, mal sabia que a aventura estava apenas começando. Pouquíssimo tempo depois de ter assumido minha primeira turma de jovens refugiados, as conversas com outros professores e professoras sinalizavam uma necessidade específica surgindo nas escolas de ensino médio aqui em Bremen. Estou falando de Bremen porque esta é a minha realidade, mas é bem capaz que tenha sido assim na Alemanha inteira. De repente, o perfil dos alunos das classes de alemão como segunda língua começou a mudar: de altamente escolarizado para analfabeto .

Na minha primeira turma de Vorkurs, (como são chamadas as primeiras classes frequentadas pelos adolescentes refugiados em Bremen) tive alunos cheios de ambições. Seus pais eram médicos, advogados e empresários na Síria e muitos deles sonhavam em seguir os passos dos pais. Eles e elas se interessavam pelo que precisariam fazer para ter esse tipo de formação e tinham consciência da necessidade de aprender muito bem a língua para isso.

Além disso, essa galera se interessava por normas e valores da cultura que os acolhia, e, por isso, me faziam virar noites preparando aulas que satisfizessem a sede de aprendizado. Por aquela turminha, quebrei minha cabeça diversas vezes para preparar aulas compreensíveis a todos, de acordo com as competências linguísticas de cada pessoa. Era desafiador e muito divertido!

Foram diversas aulas nas quais, além de aprender gramática e vocabulário, discutíamos tolerância religiosa, diferentes formas de governo, falávamos sobre racismo e outros temas cabeludos. Não precisou de muito tempo com aquela turma para notar que, em sua grande maioria, a galerinha sabia bem como as escolas funcionam e suas famílias eram presentes e valorizavam a formação acadêmica.

Com o passar do tempo, o alunado começou a mudar. De repente, na minha classe, a maioria mal sabia assinar o próprio nome. Eram jovens de 13, 14 anos que nunca tínham vivenciado um momento sequer de paz em seus países de origem. Famílias que precisaram juntar tudo e fugir, porque o vilarejo foi bombardeado e não há como priorizar a escolaridade de suas crianças.

Buscando ensinar de forma alinhada às necessidades de meus alunos e alunas, acabei enveredando pelo terreno da alfabetização de jovens. Hoje, coordeno um centro de alfabetização para jovens refugiados.

Na nossa escola, primeiro se ensina a ler, escrever e entender como as demais instituições de ensino funcionam, bem como os possíveis caminhos a serem seguidos na trajetória escolar. Vencida esta etapa, eles e elas ainda têm dois anos de ensino de língua, sendo que, no segundo ano, na maioria dos casos, esses jovens já participam das aulas das demais matérias no turno da tarde. Até concluirem a escola, a galera enfrenta muitas incompreensões, sejam linguísticas ou culturais, inúmeros obstáculos e muito, mas muito preconceito e segregação.

Com tudo isso, passados dois anos que a minha primeira turma de alfabetização tinha terminado, recebi uma mensagem de um ex-aluno pelo WhatsApp. Em sua mensagem, escrita em um alemão muito bom, ele me contava que tinha conseguido passar em uma prova de História e outra de Matemática, feitas em sua turma regular na escola de ensino médio. Ele ainda me agradecia por sua conquista e dizia que estava adorando estudar, aprender e que já começava a considerar a possibilidade de fazer um curso profissionalizante para se tornar assistente de classe em uma escola de ensino fundamental. A mensagem terminava com ele me perguntando se eu achava que ele teria chance de conseguir levar esse plano adiante.

Respondi, primeiramente, celebrando sua conquista, mas logo tive que me confrontar com sua pergunta: será que ele tem chance de conseguir sua qualificação profissional?

Teria, se a escola e a sociedade conseguissem enxergá-lo além de sua origem. Se seus professores e professoras conseguissem entender o seu analfabetismo prévio e o analfabetismo de sua família objetivamente, ou seja, tão apenas como fatos ocorridos em decorrência da tragédia que se abateu em seu país de origem, ao invés de como falha de caráter ou impeditivos para seu futuro. Seria possível, se a sociedade pudesse resistir ao impulso de, constantemente, encaixá-lo em estereótipos múltiplos.Teria muita chance, se encontrasse pessoas dentro das instituições que, mesmo enxergando suas limitações, preferissem se concentrar em seus potenciais, de forma a motivá-lo.

Pensei em tudo isso, mas só respondi: “claro que você consegue. Me avise se eu puder ajudar de alguma forma”.

Este texto foi originalmente postado no blog A Saltimbanca, em 1 de setembro de 2019.